quarta-feira, 31 de março de 2010

oniroperegrinebriantia

vi o meu funeral
foi na praia
e o padre cantava uma canção sufi
tu eu estávamos pendurados na falésia
agarrando-nos desesperadamente ao amor verdadeiro
mas ansiando pela sensação
da incerteza da temperatura da água .

escorregámos,
mergulhámos

nadámos até perder o pé
e a noção de direcção
e aí colocámos, bem firme,
a bandeira de localização
mergulhando tanto quanto necessário,
durante dias talvez,
até encontrar o chão.

aí sonhámos um palácio
que era pequenino estava
dentro de uma bola de sabão.

entrei nas salas,
não toquei nas flores,
mas o cheiro acompanhar-me-á sempre

entrámos com uma equipa de especialistas,
mas foram todos mortos um por um por um lobisomem,

quando nos apercebemos que só restávamos nós,
partimos,
por medo de sermos os próximos a morrer.

do nosso barco olhámos a linha do horizonte,
que tem uma linha negra paralela por cima
que é tinta da china.

Com ela escrevo e revelo a minha sede,
com ela chamo a chuva que me sacia.
Trovadores trovejantes
remam e rimam.

as páginas são levadas pela ondulação
mas consigo voltar a encontrá-las

secas
debaixo da areia.

não lhes posso tocar
se não desfazem-se.

Consigo lê-las enquanto
as persigo nadando dançando
na proa da minha Vontade:

a poesia continua a escrever-se a si própria,
e os nossos rostos perdidos na sombra das marés,
a silhueta do nosso adeus enorme como as sombras das nuvens de tempestade no mar
mas não quero a glória de vitórias vazias.

Serpente Boa, sou tua.
o que a Deusa quer é uma deusa própria em nós.
o que a Deusa quer é que cada um de nós seja a sua própria deusa.
hoje secarei as minhas lágrimas do meu rosto quase vencido.
os templos desabam,
o Espírito não.
Eu bebo a serpente, a serpente engole-me
eu morro e transformo-me em serpente
eu nasço de dentro da serpente,
sou uma criança renascida,
sou a mãe primordial.

meu corpo é tronco de árvore, enrolado em lianas
minha alma emana véus subtis de veludo e seda minhas asas
os véus conduzidos pelo caule do meu florescer
minha essência desabrochando no éter extensões através de explosões de pétalas
cântigo pagão refinado por uma esfera celestial
meus olhos intensos como olhos de serpente Boa.

transmissão onírica
formação arquetípica
este é o nosso novo dicionário.

mesmo não sabendo ainda o que fazer com a matéria-prima
o importante é continuar a criar a realidade.

poisaremos onde sabemos que existe o rio da verdade
e lá lamberemos as feridas das nossas asas
o fluir do rio é o som das nossas gargalhadas
estrela cadente lágrima cadente celestial
deixa que o trilho transparente da tua sensibilidade te conduza
só as pessoas sensíveis vivem na realidade,
é preciso coragem para sentir.
mas que a emoção seja tanto um rio que inunda
como um copo de champagne que transborda.

em cada momento estás a conhecer a infinitude da tua alma,
na tua respiração correm todos os rios,
no teu sangue pulsa a delicadeza das melodias,
a tua essência pinta o céu
com as texturas da textura das profundezas
das profundas grutas da frescura da vida.

quando perdemos, e nos ajoelhamos,
e abrimos os braços deixando ir,
é igual a quando abrimos os braços e recebemos,
e vem aquele sentir
de ter e querer alguém tão perto como a nossa própria pele.
entregamos ao divino, e fica só longe dos olhos,
mas nunca deixa de existir.

Eu não escrevo o poema,
O poema escreve-me.

Não penso, logo existo.
Vale a pena pensar nisto.

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